A fisioterapeuta que me acompanhou ao longo dos quatro meses que se seguiram ao meu episódio de AVCi (Acidente Vascular Cerebral isquémico) teve um papel muito importante em todo o processo de reabilitação/recuperação.
Já estava naquela fase em que vais à consulta de avaliação com a fisiatra e ela te diz que não há muito mais a fazer e se eu depois sentir necessidade, posso voltar. Na verdade eu estava a ficar farta, os exercícios repetiam-se, sem estímulos novos e coisas diferentes, começava a sentir que precisava de mais pois o cérebro gosta de desafios e o desafio é fundamental em todo este processo.
Não sei bem como surgiu a conversa com a fisioterapeuta e sinceramente nem sei se foi ela ou fui eu, veio à baila a possibilidade de um passeio por alguns mercados de Lisboa.
O passeio seria a pé, encontro/partida na Praça da Figueira em direção ao Mercado da Ribeira, seguido do Mercado de S.Bento e acabaria no Mercado de Campo de Ourique onde iríamos almoçar. Estamos a falar de um percurso de 4,3Kms acrescendo mais 2,7kms para retornar à estação do Cais do Sodré para apanhar o comboio para casa.
Agradava-me a ideia de ir visitar os mercados, sentia que seria um desafio imenso não só pelo trajecto, mas quem está familiarizado com as sequelas de um AVC a fadiga é algo que está sempre presente, tinha imensas dúvidas se deveria ir.
As grandes dúvidas desapareceram quando a fisioterapeuta me disse que alinhava no passeio, pensei, se ela disse que sim é porque avaliou que estou em condições de ir, olhando para trás não sei se foi bem isso que aconteceu (mas isso agora também não interessa nada).
Chegado o dia ela atrasou-se ( na verdade se ela não fosse eu não sentia coragem para ir), consegui convencer o guia a esperar um pouco por ela, finalmente metemos pés ao caminho.
Faço aqui um aparte para dizer que nesta fase muito recente a minha cabeça ao fim de algum tempo de estar no meio da confusão fica ela própria exausta, por outro lado as costas, omoplata e músculos do pescoço do lado esquerdo estão debilitados e por isso a cabeça precisa de suporte e descanso, sentia-me em esforço mas ao mesmo tempo muito feliz por poder estar no meio das pessoas, em Lisboa , a fazer algo que qualquer outra pessoa poderia fazer.
Sempre com um foco imenso em cada passo, sempre com o mantra “calcanhar pé, calcanhar pé” bem presente lá fui. Andar, conversar e olhar em simultâneo para alguma coisa, não é possível, apenas se pode fazer uma coisa de cada vez.
Quando reconheces e aceitas que neste momento apenas isso é possível, estás a evoluir mesmo que não te apercebas, isso faz parte desta etapa, ao fazê-lo de forma bem consciente estás a preparar o teu cérebro para reaprender.
Ao longo do percurso fui encontrando sítios para me sentar e descansar, lembro-me que quando fomos do mercado de S.Bento até ao mercado de Campo de Ourique ao passar pelo jardim da Estrela tive mesmo que parar e descansar por não estar a conseguir gerir o esforço.
Algum tempo de descanso e continuamos rumo ao destino final para o almoço, seria tempo de equilibrar energias e descontrair o que era possível.
Depois da pausa do almoço era preciso regressar a casa, apanhar o comboio no Cais do Sodré, (poderia ter apanhado um transporte ou um táxi, não quis), queria explorar como me iria sentir. O percurso foi feito a pé, com paragens pelo meio, em determinada altura ela seguiu em direção à estação do Rossio e eu para a estação do Cais do Sodré.
Lembro-me que quando entrei no comboio achei que ia cair para o lado, felizmente encontrei um lugar sentado e pude descansar até à minha estação de destino.
Olhando para trás nem sei porque me coloquei neste tipo de situação, num desafio que para o comum dos mortais é pacífico mas para mim foi como se tivesse feito uma maratona.
Acredito que só o fiz porque tive alguém em quem confiava a acompanhar. Após um AVC precisamos que nos façam acreditar que é possível, que nos emponderem, apoiem e nos façam descobrir a força que está dentro de nós.