Se sobreviveste a um AVC e não conseguiste vaga num centro de reabilitação, ou se simplesmente não tens técnicos por perto para te acompanharem, esta mensagem é para ti: não fiques sentado à espera que alguém faça por ti. Mexe-te. Com segurança, sim. Mas mexe-te.

Depois de um AVC, o corpo já não responde da mesma maneira. É como se de repente habitasses um corpo estranho, que não reconheces, que não obedece. E isso assusta. O medo do desconhecido instala-se — medo de cair, medo de não conseguir, medo de falhar.

E o mais fácil é mesmo parar. Evitar o movimento. Evitar sentir o desconforto de não conseguir fazer o que antes era automático. Mas é precisamente aí que te deixo este aviso: não pares.

Quanto menos te mexeres, mais difícil fica. Mais o corpo se fecha, mais o cérebro se convence de que não vale a pena tentar. E não há nada pior do que parar de vez.

Eu sei do que falo. Também eu sou sobrevivente de um AVC. Durante os 11 dias em que estive internada, tive apenas UMA sessão de fisioterapia. Só uma. No dia em que tive alta, percebi: ou me mexia sozinha, ou ninguém o faria por mim.

E foi aí que entendi uma coisa que hoje quero que tu entendas também: tudo o que fazes no teu dia é fisioterapia. Lavar os dentes. Calçar as meias. Pegar num copo. Levantar-te da cadeira. Cada gesto, por mais pequeno que pareça, ajuda o cérebro a reaprender.

Por isso, não fiques à espera. Não esperes pela vaga. Não esperes que alguém venha resgatar-te. Toma conta de ti. Dá o passo possível, hoje. Porque é o que fizeres hoje que vai fazer a diferença amanhã.

Vai, mesmo que vás com medo. Mas vai.

2 Responses

  1. Amanhã faz 11 anos que sobrevivi a dois AVC e ainda hoje sinto que tudo é fisioterapia. Ainda hoje luto contra a vontade de parar e desistir. Ainda hoje não me reconheço neste corpo, que teima em não me obedecer. Ainda hoje me espanto com as minhas (in)capacidades adquiridas. Se é verdade que há uma série de automatismos que perdi, também é verdade que a lentidão me permite ver, ser, estar de outra (melhor?!) forma. Há três verdades que, hoje, me (a)parecem a uma nova luz: a) quanto menos fizer, menos farei; b) qualquer melhoria é um movimento de dentro para fora, exigindo um compromisso pessoal; c) “diferente” não é necessariamente “melhor” ou “pior “.

  2. Só quem atravessa um processo destes sabe o peso de cada palavra que aqui escreveste. O corpo já não ser o mesmo, a luta diária entre continuar ou parar, o espanto constante diante do que (des)aprendemos. Mas é precisamente nessa consciência — dura, crua — que nasce o verdadeiro movimento de dentro para fora.
    Obrigada por partilhares. Porque o que dizes é a verdade de muitos, e ao dizê-lo em voz alta, dás-lhes também permissão para sentir. E seguir.

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