Desde o início, escolhi acreditar sem precisar de ver resultados imediatos. Sem expectativas rígidas, sem pressa para “chegar lá”. O meu foco sempre foi o processo—um passo de cada vez, confiando que cada repetição, por mais subtil que fosse, estava a a contribuir para construir algo maior.
A recuperação no pós-AVC exige consistência, paciência e, acima de tudo, repetição. No fundo, é um trabalho a tempo inteiro—e, mais do que isso, um compromisso para a vida. O cérebro humano tem uma capacidade incrível de adaptação e plasticidade, permitindo-nos aprender, evoluir e melhorar continuamente.
Mas será que apostamos em nós com a mesma confiança com que investimos noutras pessoas, situações ou expectativas?
A Ilusão do Número Mágico
Muitos perguntam: “Quantas repetições são necessárias para recuperar um movimento? Para reaprender um gesto? Para voltar a sentir o corpo de forma plena?” A resposta não está num número fixo. Estudos mostram que a neuroplasticidade—o mecanismo através do qual o cérebro se reorganiza e cria novas conexões—depende de três fatores essenciais: intenção, frequência e qualidade da prática.
O neurocientista Norman Doidge (2007) explica que a repetição por si só não basta; é preciso que haja atenção ao que se está a fazer, pois o cérebro fortalece aquilo em que nos concentramos. Da mesma forma, a Terapia do Movimento Induzido por Constrangimento, estudada por Taub et al. (2014), reforça que a motivação e o envolvimento ativo na prática são cruciais para a recuperação.
Se ao longo da vida apostamos em pessoas, ideias e circunstâncias sem qualquer garantia de sucesso, porque não fazemos o mesmo com a nossa própria recuperação?
Repetir com Inteligência
A repetição por si só não é suficiente. O que realmente faz a diferença é a atenção ao processo:
- Sentir o movimento – Em vez de executar no piloto automático, trazer consciência à respiração, ao toque, ao esforço e à leveza.
- Variar estímulos – Pequenas mudanças na posição, no ritmo ou até na intenção podem ativar diferentes conexões cerebrais (Nudo, 2013).
- Celebrar cada progresso – Pequenos avanços acumulados fazem toda a diferença ao longo do tempo.
Repetir não significa insistir na mesma coisa de forma mecânica. Significa explorar, experimentar e dar ao corpo e à mente novas oportunidades para encontrar caminhos alternativos.
Apostar em Nós: O Maior Investimento
A pergunta que fica é: e se apostássemos mais em nós? Se nos déssemos o mesmo voto de confiança que damos aos outros? Se, em vez de duvidarmos, insistíssemos?
A repetição consciente, aliada à perseverança, transforma limitações em novas possibilidades. A recuperação no pós-AVC não segue regras rígidas. O que importa é acreditar que cada repetição é um passo a mais—e que, independentemente do tempo, há sempre espaço para melhorar.