Quando alguém sofre um AVC, o que salta à vista no imediato são as fragilidades visíveis: a forma de andar, o movimento que falta, a fala que se altera. É isso que chama a atenção, que provoca no outro a ideia da gravidade da situação. Mas a realidade vai muito além do que se vê.

Existem sequelas que surgem mais tarde e outras que nunca chegam a ser detetadas ou avaliadas. O sobrevivente adapta-se ao que tem, sem ter plena consciência de como deveria ser. À medida que o tempo passa, as dificuldades tornam-se parte da vida, quase como se fossem normais.

Do meu ponto de vista, isso acontece porque a mensagem que se transmite é sempre a mesma: paciência. Como a reabilitação é longa, muitas vezes para a vida toda, e porque exige tempo e dinheiro, a forma mais fácil de resolver o problema é dizer: “não há mais nada a fazer”. Mas isso é mentira. Há sempre mais a fazer. O cérebro continua a aprender, o corpo continua a adaptar-se, e nós continuamos a ter capacidade de recuperar, ainda que de forma lenta e diferente do esperado.

Mas afinal, quem somos nós por debaixo da pele que nos protege?

O corpo é o nosso meio de transporte durante esta experiência de estarmos vivos. E, no entanto, sabemos tão pouco sobre ele. Lutamos contra ele, não cuidamos, ignoramos sinais. Só quando aparecem sintomas de fraqueza, doença ou inflamação é que paramos para escutar. É a forma que o corpo tem de gritar: “Dá-me atenção.”

O corpo fala. Nós é que não ouvimos.

Curiosamente, aprendemos a fundo como funciona um telemóvel: carregamos, atualizamos, exploramos cada funcionalidade. Mas não fazemos o mesmo com o corpo. Não sabemos realmente como funcionam os nossos órgãos, como trabalham os músculos, o que podemos fazer para apoiar os sistemas internos.

Se não conhecemos os sinais, como podemos exigir recuperação?

Vivemos num sistema de rotulagem que nos limita. Um diagnóstico, uma palavra, um parecer médico, e ficamos presos. Em vez de acolher e expandir, aceitamos o rótulo como sentença. É por isso que se torna tão importante saber de nós: ter a capacidade de explicar o que sentimos, de traduzir o que acontece dentro de nós.

Não se trata de cursos nem de experiências externas. Trata-se de nós. Achamos que nos conhecemos porque nos definimos por aquilo que fazemos, pelo que estudámos ou pelas etiquetas que recebemos. Mas, na verdade, sabemos muito pouco sobre o nosso corpo e sobre como realmente funcionamos. É esse desconhecimento que nos limita — e que nos impede de descobrir o quanto ainda podemos reaprender.

Só nós podemos trilhar este caminho. A questão é: deixas que o rótulo defina o teu destino ou assumes a tua própria recuperação? Continuas a avançar ou já desististe?

O corpo não é sentença, é possibilidade.

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